Nova regra fiscal precisa considerar hiato, investimento e dívida pública

Bruno
3 min readDec 2, 2022

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O teto de gastos como âncora fiscal já demostrou sua discrepância em relação a realidade da economia, tendo que ser deixado de lado em todos os anos desde que entrou em vigor. A rigidez fiscal sem levar em conta os ciclos econômicos, e sem espaço para déficits fiscais, não é compatível com o capitalismo. Uma solução melhor para o controle dos gastos públicos no longo prazo é a meta de estabilidade da relação dívida/PIB, que teria como instrumentos não somente o corte de gastos, mas também o aumento da carga tributária. A importância de uma relação dívida/PIB estável se deve ao fato do real ser uma moeda de baixa posição na hierarquia de moedas de reserva internacional, o que faz com que uma alta dívida pública eleve o risco da moeda nacional e exija maiores taxas de juros como contrapartida, causando fortes e duradouras crises econômicas.

Para que no longo prazo a dívida/PIB se mantenha estável serão necessários superávits fiscais nos períodos de economia aquecida para compensar déficits fiscais dos períodos de economia desaquecida. Uma das melhores maneiras de se calcular o superávit e o déficit fiscal desejáveis é fazendo tal cálculo em função do hiato do produto. Por exemplo, nos anos de 2015 e 2016 o hiato do produto foi de cerca de -2% e -4%, respectivamente, enquanto os déficits fiscais foram de cerca de 2% do PIB em cada um nesses dois anos. Ou seja, todo o terrorismo da mídia orientada pelo mercado financeiro que afirmava que o Brasil estava prestes a quebrar com Dilma era infundado. A crise econômica do governo Dilma mostrou sua face na queda do PIB e na renda média do trabalhador, que não se recuperaram até hoje, em 2022, após sete anos do início da crise. Se Dilma fizesse um déficit maior de 3% ou 4% do PIB elevando a taxa de investimento/PIB para 20% através de investimentos públicos, provavelmente o PIB e a renda média teriam se recuperado, e a relação dívida/PIB não continuaria em ascensão até 2020, quando a queda drástica da taxa SELIC no governo Bolsonaro segurou o aumento da dívida pública.

É consenso entre os economistas heterodoxos e ortodoxos que só há crescimento do PIB e aumento da renda média se houver anterior investimento. Por isso, uma manutenção de 20% do PIB ao ano de investimento, somados o investimento privado e o público, é fundamental para manter-se uma trajetória de crescimento anual do PIB, o que contribuiu também para a redução da relação dívida/PIB. Se voltarmos aos anos de 2015 e 2016, entretanto, não poderíamos propor o aumento do investimento público como solução para a recessão pois a operação Lava Jato havia parado a maior parte das obras de infraestrutura pelo país.

Por último, é importante reavaliarmos a atuação do Banco Central na determinação da taxa básica de juros do país. A função da SELIC deveria ser pagar o preço do risco do real em relação ao dólar oferecendo ao mercado uma taxa de juros real correspondente ao risco dos títulos públicos brasileiros, o que hoje significaria uma taxa de juros real de cerca de 2% ao ano, ou seja, uma SELIC de 7%. Além disso, outra função da SELIC é impedir a baixa ou alta exacerbada do dólar no país, buscando um dólar entre R$4 e R$6, preferencialmente. A inflação brasileira em torno de 5% ao ano não deveria ser motivo de alarde e elevação dos juros causando recessão. Quando a inflação não for relativa a elevação do dólar ou de preços administrados pelo governo, deve ser combatida com política fiscal, ou seja, com superávits fiscais. Inflação alta em período de hiato do produto negativo, em regra, é uma inflação de dólar ou de preços administrados, como a atual. Uma inflação entre 3,5% e 6,5% poderia ser a meta do BC, em vez da meta atual de inflação entre 1,5% e 4,5%, que não corresponde a uma meta realista em país da periferia do capitalismo como o Brasil.

Dessa maneira, uma âncora fiscal que coloque na balança meta de investimento em 20%, estabilidade da dívida/PIB em 10 anos e preveja superávits ou déficits fiscais de acordo com o hiato do produto positivo ou negativo é minha ideia geral para uma administração macroeconômica da economia do Brasil.

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